Marcelo Moreno, o atacante que abriu mão da seleção brasileira para jogar pela Bolívia, supera as dificuldades de adaptação e adota o lado azul de Porto Alegre como novo lar
Moreno, alto, bonito e sensual.” Basta ver Marcelo Moreno entrar no vestiário para que seus colegas de Olímpico comecem a cantar “Amante Profissional”, hit do Herva Doce. O atacante, de fato, tem a pele bronzeada e, para os padrões bolivianos, é um gigante de 1,87 metro – no país, a média é de 1,67 metro. Se é bonito e sensual, deixemos para as fãs responderem.
A recepção bem-humorada deixa evidente: Marcelo está em casa. Não só pelo clima de descontração entre os colegas. Primeiro boliviano do Grêmio, o camisa 9 de “La Verde”, a emergente seleção andina, conquistou gremistas e foi conquistado por Porto Alegre. Na capital gaúcha, diferentemente da maioria dos jogadores da dupla Grenal, que opta pelos bairros Bela Vista e Três Figueiras, considerados mais elegantes, Moreno mora em um confortável apartamento no Rio Branco, região cuja história está intrinsecamente ligada a imigrantes como ele.
“É uma cidade tranquila, bem ao meu estilo. A vizinhança é boa, ainda que nem todos sejam muito gentis . Alguns colorados do prédio não gostam muito de mim”, diz Moreno, lembrando a vitória sobre o rival no primeiro turno do Brasileirão. Para ser da terra mesmo, Moreno só precisa tomar chimarrão, hábito que ainda não faz parte da vida do “boliúcho”.

No confortável apartamento em Porto Alegre: “Uma cidade tranquila, bem ao meu estilo”
Largada ruim
Não que a readaptação ao futebol brasileiro tenha sido fácil. O camisa 9 passou por uma período ruim na largada do segundo turno do Campeonato Gaúcho. Chegou a encarar a reserva de André Lima. No começo do Brasileirão, um novo dissabor. A Ouvidoria do Grêmio, canal do associado com o clube, passou a receber “denúncias” quase que diárias sobre festas com a participação de Moreno em Porto Alegre. Informada sobre as baladas do artilheiro boliviano, a diretoria passou o caso a Luxa, que teve uma conversa com o jogador.
Após a derrota na Vila Belmiro para o Santos, uma goleada por 4 x 2, na oitava rodada, o treinador deu a letra na coletiva — e o recado foi direto para Moreno, que até fez um gol naquela tarde chuvosa, mas teve atuação sofrível. “Tem de assumir a responsabilidade. O torcedor tem de cobrar de mim. O Marcelo tem de ser cobrado. Tem de vestir a camisa do Grêmio e saber que vai ter muita cobrança. O cara tem de se preparar, treinar bastante, daí a bola começa a bater na bunda e entra, bate na cabeça e entra. O Moreno está no Grêmio e ele tem de saber como funciona: aqui não tem de jogar bonito,tem de ralar a bunda no chão”, disse Luxemburgo, ajustando seu discurso à lógica tricolor.
Marcelo Moreno rechaça que a conversa redentora teria sido sobre maneirar em festas: “Nunca houve esse papo de noite com o Luxemburgo. Ele me deu conselhos, pediu que eu me soltasse, que jogasse com dedicação. E eu ouvi tudo. Trata-se de um vencedor, aquele cara que te faz jogar por ele. E jamais houve esse papo de noite. Não sou baladeiro”.
A bronca surtiu efeito. Na rodada seguinte, Marcelo Moreno demoliu seu ex-clube, o Cruzeiro, em Belo Horizonte, marcou dois gols na vitória por 3 x 1 e teve atuação destacada. “Deslanchei ali. Mesmo tendo feito os dois gols, saí de campo aplaudido [pelos cruzeirenses]. Fiquei emocionado, pois a torcida do Cruzeiro demonstrou muito carinho por mim”, conta o centroavante boliviano.
Os números da Bola de Prata comprovam a evolução no campeonato. Antes desse jogo, a média do atacante era de 5,25, fraca para a posição. A partir da nona rodada, o desempenho do gremista foi merecedor de um 6,11 — o que o colocaria entre os cinco melhores da posição.

Voando com o Grêmio no Brasileirão: bronca de Luxa surtiu efeito
Parte desse encanto deve ser creditado à parceria em campo com Kleber, que se recuperava de lesão nas primeiras partidas do Campeonato Brasileiro. Enquanto Kleber é o “malvado”, colecionando cartões no Brasileirão, mas mantendo a pegada, Moreno faz os gols. “O Marcelo atua como primeiro atacante, próximo aos zagueiros. Já o Kleber joga como segundo atacante, mais pelos lados. Assim, o objetivo é que busque o passe dos meias para que haja
infiltração por trás da defesa adversária”, diz o técnico gremista, Vanderlei Luxemburgo. “Temos um centroavante que sabe como poucos movimentar-se pelos lados”, elogia o goleiro Marcelo Grohe.
“O Brasileirão é o campeonato mais difícil do mundo”, diz o boliviano, repetindo o mantra de nove entre dez atletas que disputam o torneio. “Nosso plano é ficar no G-4 o tempo todo e, ao final, dar o bote e buscar o título. Temos um time forte e um treinador experiente.” Uma fórmula seguida à risca pelo Grêmio.
Meio a meio
Filho de pai brasileiro, Mauro Martins, e de mãe boliviana, Ruth Moreno, Marcelo interessou-se pelo futebol aos 13 anos, quando começou a trabalhar como ambulante no estádio Ramón Aguilera, do Oriente Petrolero, na sua Santa Cruz de la Sierra natal. “Vendia refrigerantes no estádio. Era bom porque eu também assistia aos jogos do Oriente Petrolero de graça”, diz. Um ano depois, começou nas categorias de base do clube incentivado pelo pai, um ex-juvenil do Palmeiras. Como morava longe do CT, precisava pegar dois ônibus, custeados com a renda da venda dos refrigerantes. “O pai sempre me apoiou. Quando eu marcava um gol, pelos juvenis ou pelos profissionais, ele saía gritando na rua: ‘Meu filho já vale 1 milhão de dólares’. O pessoal ria. Quando fui negociado pelo Cruzeiro ao Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, por 14 milhões de dólares, os vizinhos procuravam meu pai para que ele dissesse que os filhos deles também valeriam 1 milhão de dólares. O pai virou ‘boca-santa’”, afirma o centroavante. A transação é a maior da história da Bolívia: somadas, todas as negociações de jogadores do país ao exterior não alcançam o valor da venda.
Chamado de “El Matador” na seleção, Marcelo Moreno é a esperança de levar a Bolívia a sua quarta Copado Mundo. “O sonho é jogar a Copa. Brigaremos pela última vaga nas Eliminatórias. Se não conseguirmos a vaga para 2014, abandonarei a seleção. Será frustrante, mas deixarei a tentativa para os mais jovens.”
Moreno joga pela Bolívia por opção. Em 2005, ele chegou a defender a seleção brasileira sub-18. Naquele ano, ele foi levado ao Vitória e abandonado em Salvador por seu empresário. Morou por seis meses na concentração do Barradão com Marcelo Grohe, o ex-volante gremista Lucas Leiva e o goleiro do Inter Muriel.
Em 2007, goleador do Cruzeiro na Libertadores, sonhou ser chamado por Dunga para a seleção principal, mas a convocação não veio. A escolha foi defender a Bolívia. “Nos conhecemos na seleção, em 2005. Ele já falava um bom português, tanto é que levei um susto quando soube que ele jogaria pela Bolívia. Nem sabia que ele era boliviano”, conta o xará, Marcelo Grohe.

Na seleção boliviana, Marcelo Moreno diz jogar por amor à camisa
Se Moreno se arrepende pela decisão? “Não! Sinto-me metade boliviano e metade brasileiro. E sei que a Bolívia precisa bem mais de mim.”
E isso apesar dos problemas de estrutura e de altitude — sim, ele sofre quando a Bolívia marca seus jogos para La Paz (3600 metros de altitude) ou Potosí (4000 metros). “Passo mal e preciso de pelo menos três dias de adaptação para conseguir jogar bem”, afirma. Nos tempos de Shakthar, ele conta que pagava
do próprio bolso as passagens aéreas para os compromissos da seleção boliviana. E a diferença entre a estrutura do Grêmio e a da seleção impressiona o centroavante. “Não há um CT, é preciso utilizar os campos dos clubes, não há categorias de base… Não defendo a Bolívia por dinheiro, mas pelo país”, diz.
Moreno, no entanto, está bem mais ambientado ao Brasil que quando defendia o Cruzeiro. “Parece estranho, mas aprimorei meu português na Ucrânia, quando joguei com muitos brasileiros”, afirma. “Eu me atrapalho com algumas palavras, sobretudo quando elas demoram a sair. Aí falo em espanhol mesmo. Nos jogos, quando me irrito com a arbitragem, mando um palavrão em espanhol para não ser expulso.”
Neste que é o último ano do estádio Olímpico — no próximo, o Grêmio passará a mandar seus jogos na novíssima Arena —, Moreno pode alcançar um objetivo que o clube não vê de perto há 16 anos: o título brasileiro, o derradeiro do estádio que já viu triunfos internacionais (a Libertadores de 1983) e nacionais (as Copas do Brasil de 1989 e 1994 e o Brasileiro de 1996). Bordar mais uma estrela na camisa de três listras virou questão de honra. Se atingir o feito, chamar Porto Alegre de “casa” pode soar ainda mais natural — para o gremista e para o boliviano.